Captar investimento x Bootstrap: qual o melhor caminho para seu SaaS?
Quais as diferenças entre operar um SaaS nestes dois modelos e qual deveria ser a SUA escolha?
Essa é uma edição muito especial da Newsletter Operando um SaaS, afinal de contas, chegamos a 1 mil assinantes em 5 meses (completamos neste dia 20). Muito obrigado por acompanharem e apoiarem a publicação. Espero que gere e continue gerando muito valor e conhecimento para vocês!
Introdução
É completamente diferente operar um negócio com investimento externo - de investidores profissionais - ou com dinheiro do próprio caixa gerado pela empresa. Os jogos são completamente diferentes. Uma estratégia exige crescimento rápido em primeiro lugar e domínio de mercado, a outra exige rentabilidade e eficiência operacional desde muito cedo. Tudo é diferente, desde a tomada de decisão até as pessoas que precisam fazer parte de cada empresa. E são essas diferenças que iremos discutir no artigo de hoje da Newsletter Operando um SaaS.
A ideia do artigo é trazer uma perspectiva sobre como é fazer parte de cada tipo de negócio e quais as diferenças de objetivos e estilos de vida, para que você, empreendedor ou aspirante, possa decidir qual o melhor modelo para você.
Eu faço parte de negócios de crescimento - startups financiadas por capital externo - há 6 anos, mas antes disso passei por empresas muito diferentes, desde empresas estatais, empresas pequenas comandadas por donos, até multinacionais com décadas de existência. Vivi um pouco de cada perspectiva e há algum tempo venho tendo sucesso em negócios com capital externo. Acabei me adaptando e aprendendo a jogar este tipo de jogo, mas ele não é para qualquer um.
Vou compartilhar um pouco das diferenças aqui e espero que o conteúdo seja de muito valor para ajudar a definir os rumos do seu SaaS.
Conceito
Antes de mais nada, vamos definir o que são negócios bootstrap e o que são empresas com capital de investidores.
Negócios bootstrap são negócios sem dinheiro vindos de rodadas de investimento. São basicamente negócios que se sustentam a partir do capital inicial dos próprios sócios e a geração de caixa da empresa.
São negócios que buscam a rentabilidade o mais rápido possível e têm como objetivo a geração de lucro e de pró-labore aos sócios. Algumas vezes são chamados também de negócios self-funded (auto-financiados). A maioria dos negócios no Brasil nasce desta forma.
Já as empresas com capital de investidores são geralmente startups. Empresas que se propõem a crescer rapidamente e trazer grandes retornos a seus investidores. Essas empresas captam dinheiro desde o começo pela necessidade de investimento alto que têm em equipe, marketing ou tecnologia.
Formas de financiar seu novo negócio ou SaaS
Há diversas maneiras de conseguir dinheiro para seu novo negócio, dentre elas:
FFF: Family, friends, and fools, ou seja, investimento vindo de amigos, parentes e pessoas próximas
Bootstrap: usando as economias dos próprios sócios
Empréstimo bancário: autoexplicativo e pouco recomendado
Clientes (invertendo fluxo de caixa): vendendo primeiro, entregando depois. Em SaaS isso se caracteriza por pré-vendas
Corporate VC: grandes empresas com problemas e dispostas a investir em startups que resolvam
VC/Private Equity: grandes investidores profissionais
Investidores anjo: pequenos investidores - geralmente empreendedores ou ex-fundadores que se tornaram investidores
Aceleradoras/Incubadoras: empresas especializadas em ajudar pequenas startups a se desenvolverem
Iniciativas de fomento: editais governamentais de incentivo de desenvolvimento de tecnologia
Competições (ex: startup weekend ou hackatons): competições de tecnologia com premiações
Qual modelo é melhor?
Se você está lendo este artigo, provavelmente é essa a pergunta que você busca responder. Sinto lhe desapontar, mas, na minha opinião, simplesmente não existe resposta certa para esta pergunta. Tudo depende das suas prioridades.
Existe muita “richa” entre esses dois mundos. Um lado acaba criticando muito o outro, por não entender muito bem a forma de pensar. Mas, na minha visão, essa disputa é completamente irracional.
Se você almeja construir um negócio grandioso, que domine mercados e se torne uma empresa enorme em até 10 anos, o caminho de buscar investimento é praticamente óbvio.
Se você busca construir um negócio que gere um bom volume de caixa, que garanta uma boa qualidade de vida e um bom retorno financeiro, sem pressões externas e mantendo controle do negócio, o caminho do bootstrap é provavelmente o melhor para você.
Tudo tem a ver com o que você deseja construir e em quanto tempo. Se você quer construir um negócio disruptivo, que se torne muito grande, ou que envolva tecnologia de ponta, você provavelmente precisará de capital antecipado para investir no crescimento, na tecnologia e/ou em pessoas.
A menos que você tenha muita grana na pessoa física ou seja um gênio muito fora do comum, você não vai construir o próximo Google só com dinheiro do seu bolso. Você precisará vender a sua ideia de futuro a outras pessoas que acreditem e estejam dispostas a aportar na sua crença.
Em troca disso, você vai precisar ceder parte - ou partes, dependendo de quantas captações você precisará - da sua participação no negócio, consequentemente da sua autonomia e do seu patrimônio. Os interesses não serão apenas os seus. Mas, como dizem alguns founders:
“Prefiro ser dono do rabo da baleia do que do peixe Betta inteiro”
Isso até pode ser real e interessante, mas é importante tomar cuidado. Há casos, como do Tallis Gomes - que costuma falar bastante esta frase - onde ele saiu da Easy Taxi com apenas 4% do negócio. Visto que o negócio valia R$ 1 Bi, isso ainda representou R$ 40 milhões de patrimônio, o que é sim bastante coisa. Mas, com 4% de representatividade no negócio que você mesmo fundou, você não passa de mais um funcionário do fundo, na prática.
Existe um problema fundamental que passou a confundir um pouco as coisas para novos empreendedores.
Nos últimos 10 a 20 anos, a bibliografia em torno de startups cresceu muito, e esses negócios geram muita mídia. Isso fez com que novas gerações de empreendedores vissem o caminho das startups como a única forma de empreender, quando na realidade isso é muito longe de ser verdade.
A gente vai falar sobre as diferenças entre ambos os modelos de financiamento e como isso impacta na operação, mas, a grande verdade é que muitos fundadores acabaram “estragando” seus negócios tentando ajustá-los aos olhos de investidores.
Não porque é ruim captar investimento, mas porque é simplesmente diferente conduzir empresas nesses diferentes formatos, e o que dá certo em um tipo, geralmente não dá certo no outro.
Como funciona a operação em ambos os casos?
Certa vez, ouvi uma analogia em um podcast que achei brilhante e vivo repetindo. Vou citar quase que “ipsi litteris” aqui:
Operar um negócio convencional (bootstrap) é como estar em um carro a 100km/h em uma pista e receber a orientação: “não bate”. Já operar um negócio de alto crescimento é mais como estar em uma pista a 600km/h sob a condição de “bate, mas não morre”.
Acho que a melhor forma de definir como é trabalhar em empresas de alto crescimento é: mudança.
As mudanças são constantes, repentinas e radicais. E elas acontecem pela necessidade de encontrar vertentes de crescimento que entreguem patamares de 2 a 3 dígitos de crescimento ao ano, todos os anos, aliado às incertezas e mudanças nos mercados. É inevitável mudar, é necessário mudar.
A minha metáfora seria: você está conduzindo um carro em alta velocidade, mas não tem carro, a pista está em chamas e o para-choque é seu queixo.
O bom desse cenário é a constante evolução necessária. Você como empreendedor ou funcionário de uma empresa de alto crescimento precisa aprender com a mesma velocidade do negócio e se reinventar constantemente. Afinal de contas, o negócio estará do dobro do tamanho em 2 ou 3 anos e você precisa crescer na mesma velocidade para acompanhar.
É claro que esse crescimento repentino deixa para trás alguns vazios de organização, processos, estrutura e às vezes cultura. É o preço a se pagar.
Tudo que um negócio convencional, bootstrap, que cresce de forma sustentável, tem de tempo para se organizar, uma startup não tem. E isso faz parte do jogo.
Vantagens de ser bootstrap
Ambos os lados têm suas vantagens, e vou começar falando sobre as vantagens de ser Bootstrap.
Menos distrações
É muito diferente ser CEO ou executivo de um negócio bootstrap ou de um negócio VC backed. O CEO de um negócio VC backed - principalmente antes de captar ou enquanto está captando - usa muito mais suas habilidades em vender a ideia, do que necessariamente de operar o negócio.
Enquanto isso, um CEO de negócio bootstrap conhece, aos mínimos detalhes, sua operação desde o início, de forma profunda. Isso porque ele precisa ser rentável o quanto antes, e ele não tem muito dinheiro para contratar pessoas ou terceirizar serviços, o que faz com que ele coloque muito a mão na massa logo no começo e aprenda absolutamente tudo sobre operar sua empresa.
Todo o tempo em que a equipe de liderança de um negócio VC backed está preocupada em reportar resultados ao fundo ou procurar novos investidores, o CEO bootstrap e seu time estão dedicados ao produto e aos clientes.
Autonomia na tomada de decisão
Em um negócio VC backed, você como empreendedor pode fazer tudo que quiser, contanto que o conselho e/ou o fundo aprove.
Querendo ou não, há sempre uma camada de poder acima da operação da empresa.
É claro que o nível de autonomia vai depender do investidor e da situação da empresa, mas, sempre há um certo nível de reporte, dado o compromisso de retorno sob o investimento.
Isso é inconcebível para um empreendedor de negócio bootstrap, afinal de contas, ele é o dono e toma as decisões de forma autônoma.
Ausência de deadlines
Negócios com grana de VC costumam operar com relógios correndo. Seja pelo runway (ou seja, o tempo de dinheiro em caixa até que seja necessária uma nova captação para que o negócio se mantenha operando), seja pelos prazos de permanência do(s) fundo(s) ou investidor(es).
Todo investidor que coloca dinheiro em um negócio espera retorno em um determinado tempo. Quando se trata de um fundo, esse dinheiro tem prazo limite para o retorno.
Isso faz com que a pressão pelo crescimento e atingimento das metas seja muito maior, principalmente quando se aproximam esses prazos.
No caso de negócios bootstrap, o prazo é de acordo com os sonhos ou situação pessoal do próprio fundador. É claro que um novo incumbente pode aparecer no seu mercado e começar a ganhar espaço, mas esse é o máximo de pressão externa que um fundador bootstrap terá (que mesmo uma startup pode ter).
Domínio sob o patrimônio
O CEO de um negócio VC backed não só tem responsabilidades que o bootstrapped não tem, ele tem - muitas vezes - o risco de ser simplesmente demitido do próprio negócio. Já vimos essa história com nomes famosos como Steve Jobs e, recentemente, o próprio Sam Altman.
Além dessa possibilidade, o fundador de um negócio de crescimento acaba perdendo várias fatias do seu patrimônio conforme o negócio cresce e são necessárias novas rodadas de investimento.
Isso pode doer muito para quem resolveu empreender para ser dono do seu próprio negócio e se vê em uma posição minoritária rapidamente.
Menos decisões traumáticas
Essa eu vou ser bem curto e direto: um fundador bootstrap só faz layoff se quiser ou se estiver quebrando. Isso é uma baita vantagem. Só quem já precisou desligar pessoas em um layoff sabe o quanto dói.
Maior compromisso com a entrega de valor
Sem tanto compromisso com o crescimento, o compromisso do fundador bootstrap acaba sendo 100% com o cliente e o crescimento de receita se torna consequência. Sem grandes pressões para dedicar energia e recurso ao desenvolvimento de novos produtos ou a ganhar mais mercado, o empreendedor pode se focar totalmente em criar uma solução de valor aos seus clientes.
Isso pode ser extremamente satisfatório em uma jornada empreendedora.
Agora, vamos falar sobre as vantagens de ter capital externo no seu negócio e/ou startup.
Vantagens de ter capital externo
Rodar com seu próprio dinheiro pode ser muito bom, mas captar dinheiro também tem diversas e inegáveis vantagens. As principais são:
Conseguir ir mais rápido
Começar a empreender pode ter um começo bastante frio. Ninguém conhece sua empresa, sua marca, nem seu produto. E nisso, ter dinheiro para investir facilita bastante.
Sendo bootstrap, você pode acabar vendo concorrentes crescendo de forma muito acelerada dentro do seu mercado, o que pode ser frustrante e ainda perigoso para o seu negócio.
Apoio e caixa para aproveitar oportunidades
Com dinheiro na mão, você consegue aproveitar todo tipo de boa oportunidade. Oportunidades de investimento em novas tecnologias ou até mesmo de aquisições de empresas, podem aparecer a qualquer momento, e você só vai conseguir aproveitar se tiver um bom caixa para isso.
Claro que sendo bootstrap você gera caixa, mas a maioria do seu caixa é reinvestido na empresa quase que de imediato ou se torna capital na mão dos sócios. É muito difícil um negócio bootstrap “juntar” grandes volumes de dinheiro.
Possibilidades de construção de grande patrimônio em curto prazo
Leva, no mínimo, 20 ou 30 anos para construir um negócio verdadeiramente grande de forma bootstrap. E, quando eu digo verdadeiramente grande estou falando em patrimônios acima de R$ 100M de reais.
Já em uma startup, em menos de 5 anos é possível construir esse tamanho de patrimônio, mesmo com toda a diluição.
Maior relevância e “fama” do negócio
Startups e empresas que movimentam grandes quantidades de dinheiro acabam chamando muito mais atenção. Grandes aportes dão excelentes manchetes.
Isso não gera só "fama” como estamos acostumados a pensar, mas também gera força de marca e representatividade no mercado.
Networking, aconselhamento e “Smart Money”
Empreender com apoio de investidores não traz apenas dinheiro. Geralmente gera conexões com outros empreendedores investidos e aconselhamento vindo dos profissionais experientes do fundo ou conectados ao seu investidor.
Isso é super importante e pode impulsionar muito o seu negócio. Além do dinheiro colocado na sua empresa, o conhecimento e rede de contatos que vêm juntos pode impulsionar seu negócio em diversas oportunidades de parceria, por exemplo.
Possibilidade de impactar positivamente mais pessoas
Um negócio que fatura mais tem mais clientes e contrata mais. Isso inegavelmente impacta mais a sociedade do que uma pequena empresa, sem muito dinheiro sobrando.
Se você empreende com intuito de gerar impacto positivo na sociedade ao seu redor, ter investidores ao seu lado pode ser o melhor caminho.
Conclusão
No fim das contas, construir um negócio não é fácil independentemente do volume de dinheiro inicial que você tenha ou a origem dele.
Não existe caminho certo, errado, melhor ou pior. E ir por um caminho bootstrap muitas vezes não é nem uma escolha sua. Depende muito mais do mercado em que você está inserido, do seu potencial de crescimento e da solução que você está criando.
Além disso, há duas coisas que precisam ser desmistificadas: a primeira é que não é porque seu negócio não é atrativo para investidores que não é um bom negócio, só significa que eles acham que não tem potencial para ser um negócio de Bilhão. E não precisa ter.
A outra é que não é porque você não tem investimento externo que você irá ganhar menos dinheiro empreendendo. Inclusive, no curto e médio prazo, empreendedores bootstrap costumam ganhar muito mais dinheiro do que fundadores de startup, que dependem de um exit para ganhar dinheiro.
Excelente post Thiago! Nos últimos 5 anos da minha vida vivi praticamente os dois cenários: primeiro tentando buscar a trilha de VC e depois me readaptando para o Bootstrap. Você falou a real, os dois tem vantagens e desvantagens e está muito mais para qual caminho que VOCÊ quer trilhar, do que necessariamente um ser melhor do que o outro. Seus artigos são ótimos, valeu por compartilhar!